31/12/2020

loveless é completamente problemático

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Oi! Cá estou eu depois de um mês inteirinho sem aparecer. Muita coisa aconteceu neste meio tempo: eu me formei na faculdade, arrumei um emprego em outra cidade e estou indo morar com um amigo, saindo de casa pela primeira vez. Tudo é novo, empolgante e assustador, é claro, mas o ponto é que isso consumiu todo o meu tempo nos últimos dias – e vai continuar consumindo até eu me estabelecer na minha nova cidade. Nesse tempinho de folga, conheci um anjinho aqui da blogosfera, a Mari (ou Oceane, como devem conhecer) do Peach Aesthetic e gente, essa menina foi uma das melhores surpresas que esse ano caótico me rendeu. Eu queria poder dar o mundo e as estrelas para esta blogueira incrível e pessoa mais incrível ainda. Não esqueçam de deixar amor para ela em seu cantinho, sim? Bom, essas good vibes não se estendem ao resto da postagem, cujo título entrega o tema. Precisamos falar sobre um mangá / anime que eu amava quando era mais nova, mas que hoje ergue mil red flags diferentes e eu não vou passar pano. ミ

Fujoshi é um termo muito comum entre o público consumidor de mangá e anime e, basicamente, é como chamamos uma garota que se interessa por animes de histórias românticas entre garotos. Confesso que com meus 13 ou 14 anos, me identificava de tal forma, sem pensar muito no quão problemático isso era. Afinal, as histórias na maioria esmagadora das vezes não retratam relações homoafetivas de forma apropriada, mas sim tentam suprir a fantasia de um público específico, caindo na fetichização e sexualização. Fora a heteronormatividade implícita em diversos títulos, que apontam no casal principal sempre um personagem mais feminino (uke ou bottom) – delicado, menor em estatura etc. – e um mais masculino (seme ou top) – superprotetor, mais alto e que geralmente inicia as interações românticas e sexuais. Ainda, as mulheres quase sempre aparecem em papéis questionáveis e misóginos, como o empecilho na relação dos protagonistas, a tarada que os persegue tendo sangramentos nasais e por aí vai. Não estou generalizando, deve ter por aí títulos que não caiam nesses estereótipos, mas até então não são esses que aparecem nas listas de recomendados do gênero.

Foi em uma dessas listas não muito promissoras que dei de cara com Loveless, um dos títulos mais aclamados do gênero shounen-ai. Este segue a história de Ritsuka, um introvertido garoto de 12 anos que enfrenta traumas familiares que giram em torno da misteriosa morte do irmão mais velho, Seimei. Em um mundo onde virgens possuem orelhas e caldas de gato, o garoto é surpreendido por Soubi, um adulto de 21 anos sem orelhinhas, que o aborda afirmando conhecer seu irmão. Em busca de desvendar o que realmente aconteceu com Seimei, Ritsuka se une a Soubi em batalhas mágicas cujos ataques são formados por poéticas palavras.


Lembro que quando assisti pela primeira vez, fiquei encantada pelo parte estética do anime, trilha sonora, atmosfera mágica e o mistério que permeia toda a trama. O mangá não fica atrás neste aspecto, tendo um traço extremamente único, delicado e lindo. Estes recursos, no entanto, servem como cortina de fumaça para os muitos problemas que a obra carrega em toda a sua construção. Em conceito, peca por ser extremamente vaga, omitindo informações básicas como o objetivo das batalhas e o motivo de todos os personagens saberem que Ritsuka sofre constantes abusos físicos da parte da sua mãe e não fazem nada a respeito. Quanto à história... Oh boy.

Vamos começar pelo fato mais gritante: Soubi tem 21 anos e Ritsuka, apenas 12. A autora tenta mascarar a problemática dessa diferença de idade por meio de várias "justificativas". As adoráveis orelhinhas estão ali pelo simples intuito de provar que Soubi não está errado em se relacionar romanticamente com uma criança, já que eles não se envolvem sexualmente. Ritsuka segue puro, então tudo bem, certo? NÃO, Kōga, não está tudo bem. Eles se beijam! Ainda, é clara a tentativa de atenuar a prática da pedofilia ao colocar Soubi em uma posição de submissão frente ao Ritsuka. O mais velho diz pertencer ao mais novo e ao longo da história, se põe completamente ao seu dispor. Como se isso colocasse o menor no controle, evitando um relacionamento abusivo. Kōga também tenta criar empatia com Soubi por sua backstory de abuso sexual por seu tutor e abuso físico por Seimei, irmão de Ritsuka e verdadeiro sacrifício de Soubi e isso coloca o leitor/espectador em um enorme conflito interno, embora isso não o insente de forma nenhuma. 

Na dinâmica de batalha, as duplas se dividem em duas funções: combatentes – os que proferem os feitiços – e sacrifícios – os que estão ali para sofrer os danos causados pela equipe rival. E os danos são... correntes. Como mostrado na opening, as restrições mais parecem apetrechos de BDSM do que ferimentos de batalha. Por que a autora envolveria uma criança em algo assim, meu pai? 

Enfim, acho importantíssimo revisitarmos obras que consumimos há muito tempo porque a maturidade nos traz um olhar mais distante, menos afetivo e mais crítico. Hoje, aos 21 anos, nunca recomendaria Loveless aos meus leitores. Mesmo que se trate de ficção, ainda não transcendi ao ponto de consumir algo que destoe tanto dos meus ideais.

Obrigada por lerem até aqui. Me digam seus pensamentos sobre a cultura shota/lolicon (animes/mangás que envolvem "romance" entre personagens maiores e menores de idade) no geral. Nos vemos em uma próxima postagem. Até lá! Fiquem bem, se cuidem.

4 comentários

  1. Oi Jheni! Deve dar o maior frio na barriga sair de casa né? ´/(´⊙◞⊱​◟⊙`). Mas esse tipo de experiência só nos faz crescer como pessoa, e é bom saber que você tem uma boa base. É meio assustador pensar que um dia eu vou estar morando sozinha (。┰ω┰。).

    Nossa! Esse anime/mangá é extremamente problemático. Relacionamento amoroso entre adultos e menores é algo que NUNCA deve ser retratado como normal (pra falar a verdade, é no mínimo bizarro). E as formas que o autor usa pra tentar contornar o problema só deixa isso ainda mais triste. Me fez lembrar da loucura que está tendo no Twitter e outras redes sociais dos MAPs (Minnor Atracted Person/Pessoas atraídas por menores de idade/pedófilos) querendo afirmar que atração por menores de idade é um tipo de sexualidade. Isso me dá nos nervos щ(`Д´щ;).

    Para falar a verdade, olhando para uns BLs que eu costumava ler antigamente, percebi que nenhum deles retrata uma relação saudável. Koisuru Boukun por exemplo, assim como muitos outros, utilizou-se de estupro e chantagem para unir o casal principal, o que só fomenta os fetiches já existentes sobre as relações homo afetivas (além, é claro, de cagar com a evolução pessoal dos personagens). É difícil encontrar um BL que se salva desses problemas, infelizmente.

    Olha, amei demais a postagem. É mais do que necessário que nós fujoshis reflitamos criticamente sobre o conteúdo BL que consumimos. Muitos dos nossos títulos favoritos fazem o desprazer de ferir comunidades inteiras, não podemos passar pano.

    Chuu~~

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  2. Hoje eu estive com muitas coisas na cabeça e, a última coisa que imaginava fazer era tirar um tempinho para comentar em algum blog, mas calhou do seu comentário no meu clubinho me trazer aqui e ora vejam só! Uma postagem levinha e bem direto ao ponto! Tudo o que eu precisava hoje :B

    Curioso mesmo é eu, desde os primórdios de 2012 ter lá a minha quedinha pelo tal bois love mas desde então, o único yaoi de fato que li ter sido Doukyuusei. Eu sempre tendi pelos doujins que, por mais apelativos que fossem, eram sobre os shipps que eu gostava naquela altura, e sabe dum negócio? Até hoje cedo mais por eles, pois são sempre estes que me deixam empolgada numa leitura- mas não vou fugir da pertinência da sua postagem. Sobre o que mencionou a respeito do shotacon eu realmente não vejo motivos para querer ler algo que envolva isso, primeiro porque é uma problemática chata e segundo porque é uma problemática chata. Independente de ser bem ou mal trabalhada (um exemplo bem aquém que tenho disso é o relacionamento do Ban com a Elaine, em Nanatsu no Taizai, e aqui estamos falando de uma fada que parece uma garotinha e de um cara musculoso e imortal :v) e digo isso pois o público alvo desse tipo de história pouco se importaria com coisas como desenvolvimento, a leitura seria só pelo pirralho ali no meio e honestamente, eu não perco o meu tempo com isso.

    Anos mais tarde descobri o quão loucas as fujoshis conseguem ser, e percebi que pouco converso com o tipo de pensamento delas, me saindo uma grande impostora dentro do clã atual que esbarro volta e meia no Pinterest. O meu negócio são os meus shipps em shounen e o resto morre aí. E algo que concordo muito é sobre reler essas coisinhas sobre as quais temos uma boa memória afetiva, faço isso sempre e conforme passa o tempo, noto a minha empolgação ruindo mas ainda tenho afeto por algumas histórias :B

    Enfim, agradeço pacas pelo seu comentário e espero que corra tudo bem na sua adaptação Jheni! Ainda não passei pela experiência de morar longe de casa por conta mas sei o quão excitante isso possa ser então, boa sorte também haha!

    Abraços,
    Snow!

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  3. helloo! Parabéns pela formatura e por todas as novas conquistas <3<3<3

    Bem, eu demorei algum tempo pra perceber como a comunidade fujoshi é realmente bem problemática. Na verdade, foi necessário que eu saísse dela para finalmente eu olhar e perceber que ela não é nada saudável. São muitos problemas pra uma comunidade só, não dá.

    Nunca vi Loveless, já tive vontade no passado, mas tinha até esquecido que existia kkk Hoje não veria mais, e esse post só me ajudou na decisão de me manter beeem longe kekek

    Shotacon/lolicon é uma parada bizarra, prefiro nem comentar o assunto. Conheci poucas pessoas que se interessavam seriamente no assunto e hoje acho medonho, mas na minha época de fujoshi até isso passava batido. É triste ver como romantizam uns assuntos tão terríveis como a pedofilia, banalizando um debate realmente sério e importante. Felizmente, muito dos problemas das fujoshis ficam entre elas, mas esse assunto específico se espalha por todos os otakus.

    Espero que um dia a conscientização sobre o assunto chegue e isso pare de ser tratado como fofo ou até mesmo sexy. Afinal, shotacon e lolicon deviam ser tema só pra animes e mangás de terror ou suspense! kkk

    izabel - * Folks

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  4. oi jheni :) hi hi :) só passei pra dizer >saudades< :(

    ooops :)***

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